Às vezes, até Beyoncé precisa invocar a sua Beyoncé interior
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O poder emocional e cultural de Lemonade, o sexto álbum de Beyoncé, talvez esteja resumido no final de “Freedom”, um hino de empoderamento com samples de uma música dos anos 60 e participação de Kendrick Lamar. A voz de uma senhora diz: “Eu passei por altos e baixos, mas sempre encontrei a força interior para me reerguer. Me deram limões, mas eu fiz uma limonada”, diz ela.
Esse discurso – da avó de JAY-Z, Hattie White, quando completou 90 anos em 2015 – teria inspirado o conceito deste projeto radical, que foi acompanhado por um filme e pelas palavras da poeta somali-britânica Warsan Shire. Tanto o álbum quanto o filme estão profundamente ligados à identidade e à narrativa de Beyoncé (sua feminilidade, sua negritude, seu casamento) e constituem o seu trabalho mais revelador até hoje.
São os detalhes que fazem do álbum uma obra com a qual o ouvinte se identifica e que salientam a força de cada música. O projeto é furioso, desafiador, angustiado, vulnerável, experimental, vigoroso, triunfante, bem-humorado e corajoso – um manifesto comovente lançado sem aviso prévio numa época de grande escrutínio público e sofrimento pessoal. Ele também é surpreendentemente difícil. Às lágrimas, ela ruge com vontade em “Freedom”: “Eu vou continuar em frente porque uma vencedora não desiste de si mesma” ¬– às vezes até Beyoncé precisa invocar a sua Beyoncé interior. Essa força abrangente – da letra, da voz, da música e dela mesma – fez com que Beyoncé passasse de lenda para algo mais próximo de uma super-heroína da vida real.
Cada segundo de Lemonade merece ser estudado e celebrado (a autopunição em “Sorry”, a política em “Formation”, a participação enriquecedora de artistas como James Blake e Karen O), mas a faixa mais ousada musicalmente talvez seja o rock psicodélico “Don't Hurt Yourself”, com Jack White e samples de Led Zeppelin. “É a última vez que eu aviso”, diz ela em um momento de calma desconcertante. “Se você fizer isso de novo/ Você vai perder a sua esposa.” Em apoio, White diz as sábias palavras: “Love God herself”.